Amigos, como sabemos, RITA apenas
não escreveu músicas nesses 50 anos de carreira, mas escreveu também muitas
crônicas, algumas disponibilizadas em revistas e jornais. Escolhi uma das que
eu mais gosto entre as várias que eu já li para postar aqui, para o deleite
daqueles que não leram ainda.
Sampa, Sampa, sou mutante igual a você
Caetano diz que eu sou a mais completa tradução de Sampa. Puxa! Mas não
é à toa... Acreditem ou não, quando eu morava no pacato bairro de Vila Mariana,
a então “floresta” do Ibirapuera era minha! Uau, era de enlouquecer, um
verdadeiro conto de fadas no meio da cidade. Eu e meus amiguinhos fazíamos até
casinha no alto das árvores. Os pais diziam para tomar cuidado, que o
Ibirapuera tinha até índio – o que deixava a turma ainda mais excitada. Me
lembro que cheguei a plantar, eu mesma, um monte de eucaliptos, coqueiros,
bananeiras e sementes de melancia. E acompanhava de perto o progresso do meu
pomar como se fosse uma fazendinha.
Mas, um belo dia, chegou um batalhão de tratores e acabou de vez com a
brincadeira. Foi um tal de cortar árvores, asfaltar terra, construir prédios
modernosos, até que por fim resolveram inaugurar o Parque do Ibirapuera, tendo
como carro-chefe aquele monumento sofrido do “empurra-empurra”. Era a grande festa
do IV Centenário de Sampa, em 1954.
Como toda família paulista que se preza, a minha resolveu participar
levando as crianças para ver a chuva de papéis picados prateados que caía do
céu, a banda, os paraquedistas, etc. Mas foi só choradeira quando vi minha
fazendinha destruída! Meu pai me disse tristemente: “É, agora o Ibirapuera
virou realmente um Ibirapuera”, palavra que em tupi que dizer “lugar onde havia
árvores”(ibirá-árvores, puera-lugar onde havia). Essa foi a primeira vez que
tive peninha de Sampa.
Logo depois veio a aposentadoria dos bondes da CMTC (que a meninada
traduzia marotamente assim: Cobrador, Meta o Troço no C...). Aqueles bondes
maravilhosos e seus estribos voadores não serviam mais como transporte de
massa. Foram pras cucuias, e com eles minha tão sonhada profissão de motorneira
de bonde... Para substituí-los, trouxeram os papa-filas, uma espécie de
ônibus-gigante puxado a trator, que faziam um barulho danado e deixavam fumaça
por onde passavam. Diziam que a cidade estava crescendo e que o “progresso” era
inevitável para Sampa se transformar em capital do mundo! E eu ficava pensando:
ó nóis aqui traveis querendo ser a Nova York dos pobres...
Pois é, as coisas mudaram mesmo, e ficamos discretamente deselegantes,
rodeados de palmeiras de concreto e o diabo a quatro. A Pompéia também não é
mais aquela, mora! Você passa pelo bairro agora e não escuta mais o som...
orra, meu, será que o Vesúvio se mudou pra cá também? As avenidas Paulista e
Brasil, nem se fala, mais parecem colmeias frenéticas, tanto são os
laboratórios e imobiliárias, eu hem Rosa! Mais: quem subir a rua Augusta a 120
por hora, dança (e não é rock não!). Ah, Sampa, quem te viu e quem te vê... Mas
não tem nada não, eu sou mutante igual a você. Por isso, quando me perguntam se
quero me mudar daqui, respondo: Não diga ao povo que fico. Diga que nasci aqui
e não desisto dessa vida maluca. Diga também que tenho cintura pra segurar o
balanço do meu coração caipira.
Rita Lee
Texto
retirado da revista Quatro Rodas, edição especial de verão, n. 245, nov. de 1980.
MMMMMMMMMMUITO BOM ! MUITO LEGAL POSTAR TAMBÉM... VALEU VALEU VALLEU !
ResponderExcluirMMMMMMMMMMUITO BOM ! MUITO LEGAL POSTAR TAMBÉM... VALEU VALEU VALLEU !
ResponderExcluirGÊNIA! Gracias por dividir isso com a gente. Cada vez mais encantada pela linda Lee.
ResponderExcluirIncrível, atual, RITA!
ResponderExcluirExcelente crônica! Obrigada por postar.
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