segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

RITA na revista Coro de Cordas - por Aramis Millarch


Vol. XVI - SET/1990


Que tal uma pausa no cansaço? A inteligência, a vivacidade, o espírito maroto, a graça de Rita Lee estão nesta edição especial. Afinal, quase 30 anos de carreira, de “trabalho sério”, justificam plenamente esse destaque. No “intervalo”, conheça um pouco mais sobre essa incrível e polêmica artista.







RITA LEE, esta sapequinha sorridente... – Por Aramis Millarch

Aos 43 anos – a serem completados no último dia do ano – e quase 30 de vida musical, considerando-se que começou muito cedo, a paulista RITA LEE JONES hoje já é chamada de “avó do rock” no Brasil. Será?

É bem verdade que, ao lado de Tony Campello – há anos na função de produtor, ele que ao lado da irmã Cely foi da primeira geração de roqueiros brasileiros – a garota RITA, no início dos anos 60, já fazia gravações de apoio a Jet Blacks, Demetrius e Prini Lorez (uma “armação” comercial para aproveitar o sucesso internacional de Trini Lopez).

Aos 15 anos, RITA tocava violão e baixo e, com três amigas, formava o grupo Teen Agers Singers, que participava de shows e festas colegiais.

Portanto, esta sardenta, loira e simpática star brasileira tem uma ampla quilometragem artística. Uma vivência grande na música jovem e, mesmo sem ter o complexo de Peter Pan (que fazia, por exemplo, Gil e Caetano insistirem sempre em buscar a “eterna juventude” em seus discos), RITA trouxe para o rock uma coisa muito importante: o humor. Apesar de descendente de americanos – e do nome estrangeiro – procurou, em sua fase de compositora-intérprete, especialmente a partir dos anos 70, uma linguagem descontraída, alegre, brasileira e também com grande comunicação junto às platéias infantis.

Altos e baixos numa carreira – de milionária chegou ao vermelho, de ídolos das matinés fez jus ao título de uma de suas composições (“Ovelha Negra”) curtindo a prisão pelo uso de tóxicos, - RITA sempre deu a volta por cima. Casada com o pianista e compositor ROBERTO DE CARVALHO, 3 filhos – Roberto, 13; João, 11 e Antonio, 9 – RITA já anunciou várias vezes sua disposição de parar – ou ao menos “dar um tempo” em sua carreira. Entretanto, tal como Frank Sinatra (74 anos) e Silvio Caldas (82), isto não acontece. Ainda bem.

Afinal, ela é ainda uma garota sapeca aos 43 anos. Incompletos.

Build Up… e nascia uma estrela

Em 1970, quando a Rhodia produzia luxuosos shows para apresentar seus lançamentos na área da moda, o tema escolhido foi “Build Up”. Ou seja, a construção de uma cantor, de uma star. Num espetáculo suntuoso, em que se empregavam os recursos de multi-mídia disponíveis na época – audio-visual, filmes em 16mm, luzes estroboscópicas – todo o show era em torno de uma cantor que tinha um processo de lançamento artístico.


Para interpretar esta cantora, ninguém melhor do que RITA LEE. Embora ainda integrada aos Mutantes (e após sua saída, em 1972, aconteceram tentativas de manter o conjunto, com várias mudanças, até 1975). RITA já queria ter seu vôo solo. A ocasião não poderia ser melhor.

Pela Polydor, em novembro de 1970, era lançado o lp “Build Up”, com direção musical de Arnaldo Dias, participações especiais dos Mutantes e arranjos para orquestra do vanguardista Rogéria Duprat. RITA LEE interpretava composições próprias ( “Sucesso aqui vou eu”, “Viagem ao fundo de mim”, “Macarrão com linguiça e pimentão”, “Tempo nublado”, “Eu vou me salvar” e até um ridículo “Hulla-Hulla”).

Em 1972, quando deixou definitivamente Os Mutantes, RITA gravou seu segundo lp individual, com um título magnífico: “Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida”. Em 1973, participou de um evento que adquiriu toques políticos – o Phono 73, realizado em São Paulo. Na ocasião, RITA apresentava a guitarrista e compositora Lucia Turnbull (hoje, afastada da vida musical, chegou a residir algum tempo em Curitiba), com a qual formaria o conjunto Tutti Frutti, fazendo um show no teatro dirigido pelo dramaturgo Antonio Bivar. Em 1974, o novo grupo lançou o lp “Atrás do porto tem uma cidade”. Ainda naquele ano, RITA faria um show no Teatro Teresa Rachel, no Rio, e começaria o esquema de shows percorrendo todo o País, que manteria por quase uma década, com maior ou menor sucesso. Em 1975, já com o Tutti Frutti sem a participação de Lucia Turnbull viria o elepê “Fruto Proibido”, contratada já então da Sigla/Som Livre – etiqueta pela qual faria os discos de maior vendagem nos anos 70.

“Fruto Proibido” virou show. A música “Ovelha negra” puxava o sucesso. Era o star em contato com seu grande público.

Mutatis, mutantes, uma época dos anos dourados

Nos Estados Unidos, uma artista como RITA LEE já teria merecido alguns livros. Afinal, sua carreira oferece pontos interessantes e sua vida pessoal também. Entretanto, embora tenha sido sempre uma das cantoras-compositoras a receber maior cobertura da imprensa, perdem-se em amarelecidas páginas de recortes a sua trajetória, que começa no finalzinho dos anos 50, sobe na década de 60, apanha o grande ciclo dos festivais – fase dos Mutantes – e após “Build Up”(1970, Philips), seu primeiro elepê-solo, desanda numa carreira-solo que ela hoje faz questão de dizer que é em dupla com o marido parceiro ROBERTO, pai de seus filhos.

Tudo começou em São Paulo. O avô americano, sulista, resolveu fugir da derrota frente à união e trouxe o pai da cantora – Charles Jones – para melhores dias no Brasil. Com outros imigrados, fundaram, a menos de 200km da capital paulista, a cidade de Americana. Jones é nome ligado aos índios cherokees. O pai, pele escura amorenada, fã de Inezita Barroso, era um típico caboclo. A mãe, Romilda Padula, de ascendência napolitana. O Lee só pode ser explicado por admiração paterna pelo general Robert Lee (1807-1870), herói dos sulistas.

De uma família de três irmãs – Mary Lee, a mais velha, já morta, Virgínia e Rita – nasceu às vésperas de 1948. No último dia de 1947. As meninas Lee estudaram em bons colégios: 15 anos cumpridos no Lycée Pasteur. Antes, a irresponsável infância. Recorda-se Rita:

-       “Adorava acampar no quintal. Dormir na cabana que eu construía. Como construí todos os meus brinquedos. Não transava com bonecas e jamais tive bicicleta ou vitrola”.

O rádio foi o seu primeiro contato com o som. “Um radinho safado, cheio de chios. Daí minha necessidade quase vital de som. Muito e bom. Em alto e bom som. É como eu sou hoje”.

-       “Minha irmã mais velha era dona do rádio. E amava Cauby Peixoto/Angela Maria, as grandes bandas americanas – tipo Glenn Miller, Tommy Dorsey. Ela evoluiu até Ray Charles. A segunda irmã foi encurtando informações. Que eu ouvia atenta: Dolores Duran, Tito Madi e, sem dúvida, João Gilberto além do séquito da Bossa Nova. No colégio tinha uma vitrola onde eu podia ouvir além. Elvis Presley, Mamas and Papas. Assim nascia no colégio feminino o conjunto Teen Age Singers. Tudo pelo meu grupo. Inclusive o baile de formatura”.

Escondia da família sua atividade musical mas, de repente, sentiu-se mal num show – era crise de apendicite – e o pai foi compreensivo: lhe deu uma bateria de presente de formatura.

Numa festa conheceu o Sérgio e o Arnaldo Baptista, filhos de um secretario de Estado do Governador Ademar de Barros. Sérgio, hoje com 39 anos e Arnaldo, 42, então formaram um grupo chamado Wooden Faces, que passaria depois a chamar-se Six Sided Rockers, com seis integrantes. Apresentaram-se em programas na TV Record de São Paulo. Com a saída de três integrantes, ficaram Sérgio, Arnaldo e Rita, e nome adotado foi o mais óbvio possível – “O Conjunto”, gravando um compacto pela Copacabana (“O Suicida”). Depois, passaram a se chamar Os Mutantes, e com este nome apareceram em “O pequeno mundo de Ronnie Von”, da TV Record, em 1966. Recorda-se RITA:

-       “Frequentávamos os programas da época: Simonal, “Os astros do disco”, “A grande parada”, “Móbile” e fizemos vocais para Tim Maia que chegara dos Estados Unidos. Os ouvidos sempre alertas do Maestro Chiquinho de Moraes iam passando e o primeiro convite que renderia frutos: vocal para Nana Caymmi, que preparava “Bom dia” (Gil), no II Festival de MPB da Record”. Gilberto Gil, então marido de Nana, também se entusiasmou com o trio e no III Festival, em 1967, os convidaria para dividir “Domingo no parque”. Era a explosão do Tropicalismo e Os Mutantes, com sua juventude e irreverência, surgiam na hora certa. RITA recorda a influência de Gil:

-       “Ele surgiu dedilhando um violão que nos desbundou. A guitarra do Sérgio bateu no peito de Gil. E desta permuta, a idéia de um trabalho juntos. Gil pra mim, entre outras coisas, é chefe de uma tribo ainda não identificada”.

Logo, a Polygram, atentíssima ao que acontecia na música – dirigida então por André Midani – providenciou um compacto do grupo com “O Relógio” (Gil) e o trio participava do histórico “Tropicália”- há pouco reeditado. Ganhavam também um primeiro lp, acompanharam Caetano no II Festival Internacional da Canção da TV Globo em “É proibido proibir” – defenderam na parte nacional “Caminhante noturno”, que obteve o sétimo lugar. Em 1968, no IV Festival da Record, eram novamente sensação com “Dom quixote” e o esplêndido “2001”- um rock com toques caipiras, parceria de RITA com Tom Zé. Ganhavam um programa de televisão – “Divino maravilhoso”, na Tupi de São Paulo e, enquanto o mundo pegava fogo pelas contestações jovens – na França, a marcha dos cem mil e no Rio de Janeiro, a guerrilha urbana – Os Mutantes, admite hoje RITA LEE, persistiam em seu mundo à parte.

-        “Éramos presença em vários festivais, sempre com abaixo-assinados contra nosso visual. A guitarra era um insulto. Eu, vestida de noiva grávida ou mostrando as pernocas, uma agressão que doía demais nos colegas de ofício. Até meu casamento com Arnaldo foi um deboche. Separação de corpos”.

Em 1969, simultaneamente a um show com a tribo baiana na boate Sucata, os Mutantes lançavam o seu segundo lp – com “Dom quixote” como uma das músicas mais fortes. No mesmo ano foram à Europa, participando do MIDEM, Cannes e apresentam-se em Lisboa. De volta ao Brasil, novo show, “O planeta dos Mutantes” e um novo convite para a França, desta vez no Olympia. No grupo entraram o baterista Dinho e o baixista Liminha. Em 1970, no V FIC, concorreram com “Ando meio desligado” (Arnaldo e Sérgio) e lançaram o lp “A divina comédia”. No ano de 1971, o novo lp, “Jardim elétrico”. Em 1972, após o álbum “No país dos bauretz”, o grupo se desfez com a saída de RITA LEE.

A estrela subia e iniciava o seu vôo solo.

Na montanha russa da vida buscando o melhor astral


Depois de “Fruto proibido”, uma fase difícil. O elepê seguinte, “Entradas e bandeiras” coincidiu com crise pessoal – a morte da irmã e do pai, conflitos domésticos e o uso de drogas. Numa manhã de agosto teve a sua casa invadida por policiais que a levaram para a cadeia. Acusação: uso de drogas pesadas.

RITA virou manchete. Como estava grávida, o juiz permitiu que cumprisse sua prisão domiciliar. Mas ela não se deixou abater, como recordou, em setembro de 1977 a Ronaldo Bôscoli.

-       “Então veio o meu up. Se a montanha é russa acontecerá a subida. “Refestança” com Gil. Tipo Brasil. Com o Tutivela e o Refrafruti – união de nossos grupos – começou Rio/São Paulo e cresceu de cima pra baixo. Então já numa boa, pintou a “Babilônia” – disco e show, que após temporada no Rio estreou em São Paulo, em 1 de dezembro de 1978”.

Na época, houve outros sucessos – inclusive parcerias com Paulo Coelho, então letrista de Raul Seixas, e com quem fez a irreverente “Arrombou a festa”, ironizando a Bossa Nova e a MPB.

Mesmo reduzindo suas apresentações em público – e fazendo experiências um tanto diferentes em seus últimos discos, agora gravados na EMI-Odeon – RITA LEE continua a ser uma mulher fascinante. Tendo inclusive um olhar místico, que a levava a falar em UFOS e OVNIS:

- “Cada um saca o Apocalipse à sua maneira. O arco-íris é um código de um certo lugar. Eu também queria saber o que está por trás dele. Sabe de uma coisa? No Brasil estão todos os contatos de todos os graus”.