João,
meu amigo querido,
Muito
obrigada por delegar a mim a função de escrever para o Fã Clube sobre a pré
estreia do musical "Rita Lee mora ao lado", bem como para contar como
foi, para uma fã de tão longa data, a experiência de assisti-lo. Cumpro com prazer
a tarefa, embora já preveja dificuldades na composição do texto, devido à forte
ligação sentimental que desenvolvi com Rita ao longo desses quase 40 anos.
O
livro de Henrique Bartsch é um verdadeiro compêndio sobre a vida e a carreira
de Rita Lee, dito uma "biografia alucinada" por misturar,
deliciosamente, fatos reais e ficção. Eu me lembro bem da primeira vez em que o
li, devorando cada página até terminar, sem intervalos. Mais do que um livro,
"Rita Lee mora ao lado" foi uma viagem no tempo pra mim, não somente por
reunir tantas histórias que acompanhei na época em que aconteceram, mas
principalmente por trazer à tona a
lembrança das reações emocionais que cada uma delas me provocou - algumas ainda
na minha infância.
A
história, originalmente narrada pela fictícia personagem Bárbara Farniente na
forma de um diário, foi adaptada para o teatro como um relato feito por ela ao
segurança de um show de Rita, na tentativa de convencê-lo a permitir sua
entrada nos camarins, onde pretendia resolver suas questões pessoais com a
artista.
Belíssima
como sempre, Mel Lisboa estava a cara de Rita, mas disso nós já sabíamos, pelas
fotos e pelo encontro com ela no lançamento do livro "Storynhas".
Mais do que a aparência física, foi sua interpretação que me surpreendeu. Não
que eu já não soubesse de seu talento, mas Rita sempre foi tão única em seu
gestual, visual e trejeitos, que eu não imaginava ser possível reproduzi-la com
tamanha perfeição e, sobretudo, com tanta sensibilidade.
Em
sua primeira cena no musical, Roberto de Carvalho, interpretado por Rafael
Maia, divide o palco com Ney Matogrosso, com quem tocava na época em que
conheceu Rita. A partir do momento em que Roberto entra na história, observa-se
uma sutil e progressiva mudança na interpretação de Mel Lisboa, mais suave e
romântica, começando pela cena em que Rita canta "Fool to cry" para
Roberto no telefone, informando sobre sua gravidez.
Carol
Portes interpretou uma hilária Bárbara Farniente, atormentada pela persistente
paixão platônica que sua mãe, Diva, nutria pelo pai de Rita, Dr. Charles Jones.
Sendo vizinhos, Diva passava a vida observando o movimento no casarão onde ele
morava com a família, por isso Bárbara e ela estavam sempre a par de tudo o que
se passava por lá.
Involuntariamente convivendo com a frustração amorosa da mãe, Bárbara acreditava
carregar consigo uma maldição que, ao pé da letra, consistia em se remoer de
inveja tanto da estrutura familiar quanto das vitórias de Rita. No entanto, quando
finalmente consegue entrar no camarim e ter seu primeiro contato pessoal com a
artista, o verdadeiro sentido de sua inquietude se revela num final
surpreendente, que cabe a cada expectador interpretar. Este foi, para
mim, o momento mais emocionante da peça. Carol Portes e Mel Lisboa
protagonizaram uma das cenas mais delicadas e inesquecíveis de minha longa
trajetória sentimental de fã.
Por
se tratar de um musical, obviamente já era esperado que a plateia se
emocionasse, posto que a música tem o impressionante poder de intensificar nossos
sentimentos, sobretudo a nostalgia. Desnecessário dizer que, para os fãs de
Rita, uma seleção de músicas dela já seria o suficiente para tornar qualquer
espetáculo maravilhoso, mas a produção de "Rita Lee mora ao lado" foi
muito além. Cenas fortes e comoventes foram trabalhadas de tal maneira que as
percebíamos mais belas do que dramáticas, ao passo em que cenas cômicas e
deliciosas davam leveza à sequência, revelando a sensibilidade dos diretores da
peça.
Difícil
descrever como foi delicioso acompanhar de perto momentos que nunca vivi, mas
que por décadas habitaram minha imaginação de fã, como aquele em Rita e Arnaldo
Baptista rasgam a certidão de casamento no programa de Hebe Camargo, horrorizando
o público presente. Hebe foi interpretada de maneira impecável por Débora Reis,
cantora belíssima cujo talento vocal já conhecíamos pelo trabalho na banda de
Rita. Débora também assumiu um dos papéis de maior responsabilidade da peça, pelo
impacto emocional que suas aparições causariam nos fãs: a mãe de Rita, dona
Romilda.
Mesmo
em cenas antológicas que já tivemos a oportunidade de ver e rever em vídeos, o
trabalho de caracterização dos atores não deixou a desejar. Um exemplo
especialmente emocionante para os fãs de Rita, pela riqueza de detalhes,
sobretudo no gestual de Mel Lisboa, foi o da apresentação de Gilberto Gil com
os Mutantes no Festival da TV Record, interpretando a canção "Domingo no
parque". Outro destes momentos foi o da parceria de Rita com João Gilberto
na interpretação de "Joujou e Balangandã", encenada como se os dois
estivessem ensaiando.
Os contextos culturais e políticos de cada época foram inseridos ao longo do espetáculo através dos temas musicais ou em detalhes sutis, orientando o público na sequência cronológica em que a história de Rita era contada, desde a sua infância. Em alguns momentos, a simples escolha de uma determinada música falava por si.
A
canção "Tropicália", numa alusão ao nascimento do tropicalismo,
causou arrepios na plateia pela brasilidade intensa com que foi trabalhada na
percussão. Igualmente arrepiante foi o momento em que Caetano Veloso e Gilberto
Gil saíram de cena cantando "London, London", música composta por
Caetano durante seu exílio em Londres.
Também
merecem destaque as cenas criadas pela imaginação de Henrique Bartsch. Uma das
mais comoventes foi a do diálogo entre Dr. Charles e Rita, após ela ser operada
em caráter de urgência para tratar uma apendicite. A história dessa cirurgia é
bem conhecida pelos fãs antigos. Segundo consta, na adolescência Rita costumava
sair à noite para tocar em festinhas da escola sem que seus pais soubessem, o
que só foi descoberto quando ela passou mal. No entanto, ao invés da esperada
bronca, o que vimos na sequência foi uma cena extremamente significativa para
os fãs de Rita, que termina quando o Dr.
Charles dá de presente à ela um violão: "Esta é a arma que vai ajudar você
a vencer muitas barreiras. Leve alegria para as pessoas".
Era
previsível que o diálogo entre pai e filha fosse integralmente adaptado à peça
como está no livro. Bartsch conseguiu, com a sensibilidade criativa que define
os devaneios de um verdadeiro fã, traduzir o que Rita, ainda adolescente na
cena, viria a representar para milhares de pessoas. A rebeldia da artista, presente
em tantas passagens de sua vida real, era fascinante para uma geração que vivia
sob forte clima repressivo, não apenas no âmbito político como também no plano
familiar, este último pesando sobretudo no universo feminino. Descobrir Rita
Lee era uma experiência libertadora, até mais do que a descoberta do próprio
rock, em seu contexto geral, costumava ser. Não bastando seu talento, beleza e
carisma, ela era a única mulher no cenário do rock nacional, e nenhum homem a
superava. Sua irreverência nos inspirava coragem e suas músicas nos transmitiam
força, no entanto Rita sempre manteve sua delicadeza natural, mostrando a toda
uma geração de mulheres que ser uma ovelha negra não era sinônimo de perder a
identidade feminina.
Uma
delícia à parte foi o encontro entre os membros do Fã Clube que viajaram especialmente
para assistir à pré estreia do musical. Fica aqui registrado nosso
agradecimento coletivo aos diretores, atores, músicos e equipe técnica do
espetáculo, e, em especial, a Henrique Bartsch, que deu este presente para os
fãs de Rita Lee.
Ana Luiza Bhering
Ana Luiza Bhering
RITA LEE MORA AO LADO
De 04 de abril a 29 de junho de 2014
Teatro das Artes - Shopping Eldorado
Endereço: Av. Rebouças, 3970
Telefone: (11) 30340075
Horários: Sextas:
21h30min; Sábados: 21h e Domingos: 19h
Direção: Márcio Macena, Débora Dubois,
Paulo Rogério Lopes
Direção Musical: André Aquino
Atores:
Mel Lisboa (Rita Lee)
Carol Portes (Bárbara Farniente)
Rafael Maia (Roberto de Carvalho)
Samuel de Assis (Gilberto Gil e Jorge
Ben Jor)
Débora Reis (Hebe Camargo)
Flavia Strongolli (Elis Regina)
Fabiano Augusto (Ney Matogrosso)
Fabio Ventura (Tim Maia)
Nelson Oliveira (João Gilberto e
Sérgio Dias)
Yael Pecarovich (Mary Lee e Gal Costa)
Antonio Vanfil (Caetano Veloso e
Arnaldo Baptista)
César Figueredo (Charles Jones e
Ronnie Von)
Nanni de Souza (Diva)
Talitha Pereira (Virgínia Lee e Lucia Turnbull)
Músicos:
Felipe Cruz, ,
Gregory Paoli, Junior Gaz, Marcio Guimarães, Robson Couto.
Poxa...
ResponderExcluirSem palavras!
Nossa querida Doc falou por todos nós!
Ótima narrativa... trasmitiu toda a emoção que sentimos!
Eu assistiria de novo e de novo.
Adorei a ideia John John!
Bjo grande!!!