Vol. XVI - SET/1990 |
Que tal uma pausa no
cansaço? A inteligência, a vivacidade, o espírito maroto, a graça de Rita Lee
estão nesta edição especial. Afinal, quase 30 anos de carreira, de “trabalho
sério”, justificam plenamente esse destaque. No “intervalo”, conheça um pouco mais
sobre essa incrível e polêmica artista.
RITA
LEE, esta sapequinha sorridente... – Por Aramis Millarch
Aos 43 anos – a serem completados no último dia do ano
– e quase 30 de vida musical, considerando-se que começou muito cedo, a
paulista RITA LEE JONES hoje já é
chamada de “avó do rock” no Brasil. Será?
É bem verdade que, ao lado de Tony Campello – há anos
na função de produtor, ele que ao lado da irmã Cely foi da primeira geração de
roqueiros brasileiros – a garota RITA,
no início dos anos 60, já fazia gravações de apoio a Jet Blacks, Demetrius e
Prini Lorez (uma “armação” comercial para aproveitar o sucesso internacional de
Trini Lopez).
Aos 15 anos, RITA
tocava violão e baixo e, com três amigas, formava o grupo Teen Agers Singers,
que participava de shows e festas colegiais.
Portanto, esta sardenta, loira e simpática star
brasileira tem uma ampla quilometragem artística. Uma vivência grande na música
jovem e, mesmo sem ter o complexo de Peter Pan (que fazia, por exemplo, Gil e
Caetano insistirem sempre em buscar a “eterna juventude” em seus discos), RITA trouxe para o rock uma coisa muito
importante: o humor. Apesar de descendente de americanos – e do nome
estrangeiro – procurou, em sua fase de compositora-intérprete, especialmente a
partir dos anos 70, uma linguagem descontraída, alegre, brasileira e também com
grande comunicação junto às platéias infantis.
Altos e baixos numa carreira – de milionária chegou ao
vermelho, de ídolos das matinés fez jus ao título de uma de suas composições
(“Ovelha Negra”) curtindo a prisão pelo uso de tóxicos, - RITA sempre deu a volta por cima. Casada com o pianista e
compositor ROBERTO DE CARVALHO, 3
filhos – Roberto, 13; João, 11 e Antonio, 9 – RITA
já anunciou várias vezes sua disposição de parar – ou ao menos “dar um tempo”
em sua carreira. Entretanto, tal como Frank Sinatra (74 anos) e Silvio Caldas
(82), isto não acontece. Ainda bem.
Afinal, ela é ainda uma garota sapeca aos 43 anos. Incompletos.
Build Up… e nascia uma estrela
Em 1970, quando a Rhodia produzia luxuosos shows para apresentar seus
lançamentos na área da moda, o tema escolhido foi “Build Up”. Ou seja, a
construção de uma cantor, de uma star. Num espetáculo suntuoso, em que se
empregavam os recursos de multi-mídia disponíveis na época – audio-visual,
filmes em 16mm, luzes estroboscópicas – todo o show era em torno de uma cantor
que tinha um processo de lançamento artístico.
Para interpretar esta cantora, ninguém melhor do que RITA LEE. Embora ainda integrada aos
Mutantes (e após sua saída, em 1972, aconteceram tentativas de manter o
conjunto, com várias mudanças, até 1975). RITA
já queria ter seu vôo solo. A ocasião não poderia ser melhor.
Pela Polydor, em novembro de 1970, era lançado o lp
“Build Up”, com direção musical de Arnaldo Dias, participações especiais dos
Mutantes e arranjos para orquestra do vanguardista Rogéria Duprat. RITA LEE interpretava composições
próprias ( “Sucesso aqui vou eu”, “Viagem ao fundo de mim”, “Macarrão com
linguiça e pimentão”, “Tempo nublado”, “Eu vou me salvar” e até um ridículo
“Hulla-Hulla”).
Em 1972, quando deixou definitivamente Os Mutantes, RITA gravou seu segundo lp individual,
com um título magnífico: “Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida”. Em 1973,
participou de um evento que adquiriu toques políticos – o Phono 73, realizado
em São Paulo. Na ocasião, RITA
apresentava a guitarrista e compositora Lucia Turnbull (hoje, afastada da vida
musical, chegou a residir algum tempo em Curitiba), com a qual formaria o
conjunto Tutti Frutti, fazendo um show no teatro dirigido pelo dramaturgo
Antonio Bivar. Em 1974, o novo grupo lançou o lp “Atrás do porto tem uma
cidade”. Ainda naquele ano, RITA faria
um show no Teatro Teresa Rachel, no Rio, e começaria o esquema de shows
percorrendo todo o País, que manteria por quase uma década, com maior ou menor
sucesso. Em 1975, já com o Tutti Frutti sem a participação de Lucia Turnbull
viria o elepê “Fruto Proibido”, contratada já então da Sigla/Som Livre –
etiqueta pela qual faria os discos de maior vendagem nos anos 70.
“Fruto Proibido” virou show. A música “Ovelha negra”
puxava o sucesso. Era o star em contato com seu grande público.
Mutatis,
mutantes, uma época dos anos dourados
Nos Estados Unidos, uma artista como RITA LEE já teria merecido alguns
livros. Afinal, sua carreira oferece pontos interessantes e sua vida pessoal
também. Entretanto, embora tenha sido sempre uma das cantoras-compositoras a
receber maior cobertura da imprensa, perdem-se em amarelecidas páginas de
recortes a sua trajetória, que começa no finalzinho dos anos 50, sobe na década
de 60, apanha o grande ciclo dos festivais – fase dos Mutantes – e após “Build
Up”(1970, Philips), seu primeiro elepê-solo, desanda numa carreira-solo que ela
hoje faz questão de dizer que é em dupla com o marido parceiro ROBERTO, pai de seus filhos.
Tudo começou em São Paulo. O avô americano, sulista,
resolveu fugir da derrota frente à união e trouxe o pai da cantora – Charles
Jones – para melhores dias no Brasil. Com outros imigrados, fundaram, a menos
de 200km da capital paulista, a cidade de Americana. Jones é nome ligado aos
índios cherokees. O pai, pele escura amorenada, fã de Inezita Barroso,
era um típico caboclo. A mãe, Romilda Padula, de ascendência napolitana. O Lee
só pode ser explicado por admiração paterna pelo general Robert Lee
(1807-1870), herói dos sulistas.
De uma família de três irmãs – Mary Lee, a mais velha,
já morta, Virgínia e Rita – nasceu às vésperas de 1948. No último dia de 1947.
As meninas Lee estudaram em bons colégios: 15 anos cumpridos no Lycée Pasteur.
Antes, a irresponsável infância. Recorda-se Rita:
- “Adorava acampar no quintal. Dormir na
cabana que eu construía. Como construí todos os meus brinquedos. Não transava
com bonecas e jamais tive bicicleta ou vitrola”.
O rádio foi o seu primeiro contato com o som. “Um
radinho safado, cheio de chios. Daí minha necessidade quase vital de som. Muito
e bom. Em alto e bom som. É como eu sou hoje”.
- “Minha irmã mais velha era dona do
rádio. E amava Cauby Peixoto/Angela Maria, as grandes bandas americanas – tipo
Glenn Miller, Tommy Dorsey. Ela evoluiu até Ray Charles. A segunda irmã foi
encurtando informações. Que eu ouvia atenta: Dolores Duran, Tito Madi e, sem
dúvida, João Gilberto além do séquito da Bossa Nova. No colégio tinha uma
vitrola onde eu podia ouvir além. Elvis Presley, Mamas and Papas. Assim nascia
no colégio feminino o conjunto Teen Age Singers. Tudo pelo meu grupo. Inclusive
o baile de formatura”.
Escondia da família sua atividade musical mas, de
repente, sentiu-se mal num show – era crise de apendicite – e o pai foi
compreensivo: lhe deu uma bateria de presente de formatura.
Numa festa conheceu o Sérgio e o Arnaldo Baptista,
filhos de um secretario de Estado do Governador Ademar de Barros. Sérgio, hoje
com 39 anos e Arnaldo, 42, então formaram um grupo chamado Wooden Faces, que
passaria depois a chamar-se Six Sided Rockers, com seis integrantes.
Apresentaram-se em programas na TV Record de São Paulo. Com a saída de três
integrantes, ficaram Sérgio, Arnaldo e Rita, e nome adotado foi o mais óbvio
possível – “O Conjunto”, gravando um compacto pela Copacabana (“O Suicida”).
Depois, passaram a se chamar Os Mutantes, e com este nome apareceram em “O
pequeno mundo de Ronnie Von”, da TV Record, em 1966. Recorda-se RITA:
- “Frequentávamos os programas da época:
Simonal, “Os astros do disco”, “A grande parada”, “Móbile” e fizemos vocais
para Tim Maia que chegara dos Estados Unidos. Os ouvidos sempre alertas do
Maestro Chiquinho de Moraes iam passando e o primeiro convite que renderia
frutos: vocal para Nana Caymmi, que preparava “Bom dia” (Gil), no II Festival
de MPB da Record”. Gilberto Gil, então marido de Nana,
também se entusiasmou com o trio e no III Festival, em 1967, os convidaria para
dividir “Domingo no parque”. Era a explosão do Tropicalismo e Os Mutantes, com
sua juventude e irreverência, surgiam na hora certa. RITA recorda a influência de Gil:
- “Ele surgiu dedilhando um violão que
nos desbundou. A guitarra do Sérgio bateu no peito de Gil. E desta permuta, a
idéia de um trabalho juntos. Gil pra mim, entre outras coisas, é chefe de uma
tribo ainda não identificada”.
Logo, a Polygram, atentíssima ao que acontecia na
música – dirigida então por André Midani – providenciou um compacto do grupo
com “O Relógio” (Gil) e o trio participava do histórico “Tropicália”- há pouco
reeditado. Ganhavam também um primeiro lp, acompanharam Caetano no II Festival
Internacional da Canção da TV Globo em “É proibido proibir” – defenderam na
parte nacional “Caminhante noturno”, que obteve o sétimo lugar. Em 1968, no IV
Festival da Record, eram novamente sensação com “Dom quixote” e o esplêndido
“2001”- um rock com toques caipiras, parceria de RITA com Tom Zé. Ganhavam um programa de televisão – “Divino
maravilhoso”, na Tupi de São Paulo e, enquanto o mundo pegava fogo pelas
contestações jovens – na França, a marcha dos cem mil e no Rio de Janeiro, a
guerrilha urbana – Os Mutantes, admite hoje RITA LEE, persistiam em seu mundo à parte.
- “Éramos presença em vários festivais,
sempre com abaixo-assinados contra nosso visual. A guitarra era um insulto. Eu,
vestida de noiva grávida ou mostrando as pernocas, uma agressão que doía demais
nos colegas de ofício. Até meu casamento com Arnaldo foi um deboche. Separação
de corpos”.
Em 1969, simultaneamente a um show com a tribo baiana
na boate Sucata, os Mutantes lançavam o seu segundo lp – com “Dom quixote” como
uma das músicas mais fortes. No mesmo ano foram à Europa, participando do
MIDEM, Cannes e apresentam-se em Lisboa. De volta ao Brasil, novo show, “O
planeta dos Mutantes” e um novo convite para a França, desta vez no Olympia. No
grupo entraram o baterista Dinho e o baixista Liminha. Em 1970, no V FIC,
concorreram com “Ando meio desligado” (Arnaldo e Sérgio) e lançaram o lp “A
divina comédia”. No ano de 1971, o novo lp, “Jardim elétrico”. Em 1972, após o
álbum “No país dos bauretz”, o grupo se desfez com a saída de RITA LEE.
A estrela subia e iniciava o seu vôo solo.
Na
montanha russa da vida buscando o melhor astral
Depois de “Fruto proibido”, uma fase difícil. O elepê
seguinte, “Entradas e bandeiras” coincidiu com crise pessoal – a morte da irmã
e do pai, conflitos domésticos e o uso de drogas. Numa manhã de agosto teve a
sua casa invadida por policiais que a levaram para a cadeia. Acusação: uso de
drogas pesadas.
RITA
virou manchete. Como estava grávida, o juiz permitiu que cumprisse sua prisão
domiciliar. Mas ela não se deixou abater, como recordou, em setembro de 1977 a
Ronaldo Bôscoli.
- “Então veio o meu up. Se a montanha é
russa acontecerá a subida. “Refestança” com Gil. Tipo Brasil. Com o Tutivela e
o Refrafruti – união de nossos grupos – começou Rio/São Paulo e cresceu de cima
pra baixo. Então já numa boa, pintou a “Babilônia” – disco e show, que após
temporada no Rio estreou em São Paulo, em 1 de dezembro de 1978”.
Na época, houve outros sucessos – inclusive parcerias
com Paulo Coelho, então letrista de Raul Seixas, e com quem fez a irreverente
“Arrombou a festa”, ironizando a Bossa Nova e a MPB.
Mesmo reduzindo suas apresentações em público – e
fazendo experiências um tanto diferentes em seus últimos discos, agora gravados
na EMI-Odeon – RITA LEE continua a
ser uma mulher fascinante. Tendo inclusive um olhar místico, que a levava a
falar em UFOS e OVNIS:
-
“Cada um saca o Apocalipse à sua maneira. O arco-íris é um código de um certo
lugar. Eu também queria saber o que está por trás dele. Sabe de uma coisa? No
Brasil estão todos os contatos de todos os graus”.